Desconfiança muda estrutura de financiamento do agronegócio

A proliferação dos pedidos de recuperação judicial no agronegócio vem fazendo com que tradings e bancos percam cada vez mais sua confiança no mercado brasileiro.

Isso se reflete na inacessibilidade do crédito e aumento da taxa de juros cobrada.


Cenário de inadimplência no agronegócio

Grande parte do financiamento do agronegócio é feito por revendas, agroindústrias e tradings.

As operações de barter, em que tradings trocam insumos como sementes, fertilizantes e agroquímicos por grãos a serem entregues ao término da safra, são a forma de negociação que mais cresceu no agronegócio brasileiro nos últimos anos.

Não é segredo que a compra e venda de grãos são um negócio de margens estreitas e que tradings, apesar do volume negociado, têm diversificado suas operações para incluir logística e financiamento direto da produção.

O financiamento direto tem duas vantagens: tanto aumenta as margens de originação quanto garante o grão no final da safra.

De acordo com o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), as operações de barter representaram quase um terço do financiamento do produtor no Mato Grosso durante a safra 2018/19, um aumento de seis vezes nas últimas cinco safras.

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No entanto, a vertical de financiamento também trouxe problemas. Com esse aumento do barter, veio também o crescimento da inadimplência da carteira de crédito ao produtor pessoa física que, dobrou em cinco anos, segundo dados do Banco Central. Esse valor inclui inadimplência sobre RO. Caso olhemos apenas para o crédito privado, a inadimplência chega a ser nove vezes maior em algumas regiões.


Aumento do risco percebido altera funding

O problema já enfrentado pela falta de segurança nas operações financeiras de tradings, com produtores pessoa física recorrendo a direitos de empresa através de pedidos de recuperação judicial (RJ) está prestes a ser gravemente multiplicado.

No começo do mês, a comissão científica de direito comercial da Justiça Federal abriu caminho para que recuperações de produtores rurais sem o cadastro mínimo de dois anos em junta comercial tenham efeito. Desnecessário dizer, isso gera bastante insatisfação junto aos financiadores, que, em sua análise de crédito, avaliaram como impossível a RJ de produtores que não satisfizessem as condições legais.

Segundo o advogado Euclides Ribeiro da Silva Junior, do escritório ERS Advocacia, de São Paulo, nos primeiros cinco meses do ano foram feitos 43 novos pedidos de RJ de produtores rurais no país. Em todo o ano passado, foram 68 pedidos, ante apenas 16 em 2017.

Em meio à tantos outros problemas para o funding, como a redução do subsídio ao crédito rural e a tabela de frete, que impede hedge apropriado, as tradings devem diminuir pela metade seus financiamentos da temporada 2019/20, cujo plantio começará em setembro.

A ação encarece e indisponibiliza crédito, devido ao afastamento das tradings em busca de uma menor exposição ao risco.

“O custo de uma linha financeira é ajustado pelo risco. Assim, mesmo o custo de financiamento dos bons produtores pode aumentar” 

disse Pedro Fernandes, diretor de agronegócios do Itaú BBA.

Esse aumento é inevitável mediante a paralela redução de subsídios e aumento do risco percebido pelo mercado no agronegócio.


Receber depois é não receber

Com a total insegurança judicial quanto às consequências da inadimplência no pagamento do financiamento, resta apenas uma solução: resolver o pagamento em tempo safra.

Qualquer produtor que entrar com pedido de RJ, vai inevitavelmente levar a trading que financiou sua operação para um longo processo que somente pela extensão de tempo já faz com que o financiador lide com prejuízos.

Não somente uma melhor análise prévia, mas o acompanhamento próximo do desenvolvimento da colheita é uma questão cada vez mais essencial. Na semana passada, compartilhei aqui um caso em que uma postura ativa de cobrança evitou desvio do grão do penhor e consequente exposição do crédito fornecido. O pedido de arresto solicitado foi concedido e a empresa evitou uma inadimplência cujo pagamento se estenderia por diversos anos.