Recuperação judicial do produtor rural pessoa física

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O Grupo J. Pupin volta a ser notícia no agronegócio brasileiro. Em seu julgamento na semana passada, em um caso inédito, a 4ª turma do Supremo Tribunal de Justiça fixou o precedente de que as dívidas adquiridas pelo produtor rural antes dos 2 anos mínimos de registro na Junta Comercial poderão também ser incluídas no pedido de recuperação judicial.

A ação traz um impacto direto no mercado de crédito do agro brasileiro. Vamos ver o que esse caso representa e o seu impacto na análise de risco dos futuros financiamentos.


O que mudou?

Antes, eram necessários 2 anos de registro na Junta Comercial, com atividades rurais regulares, para que o produtor rural – um empresário, pessoa jurídica – pudesse entrar com um pedido de recuperação judicial. Dessa maneira, o credor assumia (e precificava) que apenas dívidas contraídas depois do registro fariam parte da RJ.

Agora, as dívidas contraídas pelo produto rural antes do seu registro como empresário, podem compor a recuperação judicial.

Na prática, a recuperação judicial pode englobar as dívidas adquiridas pelo produtor rural como pessoa física.

O precedente foi fixado pelo STJ no julgamento envolvendo o Grupo J. Pupin que possui um montante de dívidas que superam R$1,3 bi. Essa é uma decisão histórica, dado ser a primeira vez que um colegiado do STJ posiciona-se sobre o tema.

O entendimento do STJ é de que o cadastro como empresário é apenas um marco burocrático, que não muda a sua realidade. A justificativa é de que a atividade comercial do produtor rural permanece a mesma após o registro.

“É que, como visto, o registro permite apenas que às atividades do produtor rural incidam as normas previstas pelo direito empresarial. Todavia, desde antes do registro, e mesmo sem ele, o produtor rural que exerce atividade profissional organizada para a produção de bens e serviços, já é empresário.”

destacou o ministro Luis Felipe Salomão

Durante o julgamento, o ministro ainda afirmou que não admite o “argumento terrorista dos bancos” de que aumentariam as taxas de juros de empréstimos se o produtor rural puder exercer a RJ. No entanto, cabe aqui ressaltar que essa não se trata de uma argumentação terrorista, mas de uma constatação do óbvio, visto que o juro cobrado corresponde à percepção de contas inadimplidas.

Sob a nova ótica, o pedido de RJ poderá acontecer da seguinte maneira:

  • o produtor rural apresenta sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis;
  • é avaliado o pedido de RJ com comprovação de atividade rural há mais de 2 anos;
  • estarão sujeitos à recuperação judicial todos os compromissos decorrentes da atividade, inclusive aqueles anteriores ao registro.

Quais as consequências para o agronegócio?

Encarecimento e indisponibilidade do crédito. Reforço não ser um argumento terrorista, mas uma adequação da percepção de risco dos credores às novas regras do ambiente.

A partir desse precedente do STJ, entende-se que o produtor que exerça atividade econômica rural por período superior a dois anos e possua débitos anteriores ao seu cadastro na Junta Comercial poderá assegurar a preservação da sua atividade empresária por meio de recuperação judicial, incluídas todas as dívidas contraídas anteriormente ao registro na Junta.

No entanto, não podemos descartar o oportunismo que ronda esse tipo de processo, como metodologia de blindagem patrimonial. Citando Mendonça de Barros, da MB Associados, alguns agricultores se utilizam da recuperação judicial como oportunidade para blindagem patrimonial contra credores; seu “objetivo é ter um desconto na dívida”.

André Nassar, presidente da Abiove, vai ainda além na projeção do prejuízo da ação, prevendo que o caso do grupo J. Pupin pode tirar toda a credibilidade da CPR, um dos pilares da concessão de crédito no setor.

“Ninguém vai acreditar (em CPR) como garantia, porque ele (produtor) vai poder vender duas vezes o produto, se quiser…”

declarou André Nassar

Vale destacar ainda que a MP do Agro (uma medida do executivo, que demandará a anuência do legislativo para se perpetuar) visou trazer para o agronegócio o financiamento via mercado de capitais, enquanto a decisão do STJ (judiciáriogarantiu que essas fontes de recurso serão mais caras.


Você, como credor: como se protege?

As opções para proteção do credor a posteriori a uma recuperação judicial de um produtor são cada vez mais limitadas, senão inexistentes. No Meeting Conacredi, tivemos a oportunidade de ver como o judiciário brasileiro tem eliminado paulatina e sistematicamente a eficiência de garantias frente à RJ:

  1. hipotecas já são há anos reconhecidamente sujeitas à recuperação judicial;
  2. as CPRs com penhor agrícola também já são reconhecidamente sujeitas à RJ;
  3. a alienação fiduciária da terra, que parecia ser uma opção para permanecer à margem das RJs, já têm encontrado dificuldade em alguns julgados devido ao entendimento de que “a terra é essencial à continuidade da atividade produtiva”;
  4. as CPRs com alienação fiduciária do grão (transmutada a partir do penhor agrícola) não são um instrumento de eficácia indubitável, ficando sua validade restrita ao guarda-chuva da “insegurança jurídica” brasileira. Não adianta ter uma tese verossímil cuja eficácia falha na hora do julgado.

No evento, o consenso foi de que a melhor forma de se proteger é conceder crédito de forma consciente e cada vez mais seletiva. Conhecer o produtor rural e conhecer sua terra é essencial, visto que dela deriva a sua capacidade de pagamento.

Embora esse tipo de solução preste-se ao custeio – um crédito inerentemente de curto prazo – resta encontrar uma solução para financiamentos mais longos cujo colateral característico era a terra, necessários para aumentar a produtividade do nosso agro.


Apesar de a decisão ser uma resolução para essa parcela da continuada insegurança jurídica do Brasil, não é uma resolução positiva, seja para credores ou para produtores.

Credores perdem por serem forçados a reduzir sua exposição à agricultura, aumentar a seletividade da concessão de crédito e terem exposição desproporcional na curva risco-retorno enquanto não forem liquidadas as operações feitas no entendimento anterior. Produtores perdem porque as taxas de juros praticadas serão aumentadas para todos os produtores e o crédito irá se tornar mais escasso, indistintamente.

Vilanizar o credor, que fornece o proto-insumo essencial para o agronegócio – o crédito – é infelizmente um erro econômico. O custo e disponibilidade do crédito – a representação da crença que temos de que o futuro será melhor do que o presente – são função direta do risco percebido por aquele que empresta para que cheguemos a esse futuro. Infelizmente, a decisão abala essa crença.