Dados de satélite são ferramentas úteis, fascinantes e que possibilitam diversas novas soluções no agronegócio. Como toda ferramenta, porém, é importante conhecer quais são as limitações da tecnologia para julgar com senso crítico soluções que parecem promissoras.
Entenda as limitações do que pode ser feito com imagens de satélite e separe ficção de realidade em sensoriamento remoto aplicado à agricultura.
Como tudo aquilo que é inédito, novas tecnologias captam a atenção do mercado e viabilizam soluções até então impossíveis. Por um lado, elas captam nosso senso de progresso; por outro, potencializam nosso trabalho, permitem-nos fazer mais, mais rápido e melhor. A complexidade que parecem possuir, o encantamento que exercem e os ganhos que podem trazer fazem com que novas tecnologias pareçam mágica.
Não são.
São ferramentas como quaisquer outras – como o Excel, seu computador, seu celular – e, pois, possuem vantagens – mas, principalmente, limitações. Entenda: reconhecer essas limitações é um exercício constante e essencial para saúde do seu negócio; não se trata de fechar-se para novidade, mas de adotar a cautela necessária para que você não compre uma fantasia.
Uma das novas tecnologias com as quais trabalhamos na TerraMagna é o sensoriamento remoto orbital. Ele oferece grande potencial de impacto no mercado de crédito agrícola. Porém, o artigo não é sobre o impacto – para isso, deixei vários links no final do texto. Este artigo é sobre as limitações.
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ToggleVolume de dados e automatização
Descrevi o sensoriamento remoto orbital como uma “nova tecnologia”. Não é bem verdade, visto que a primeira fonte sistemática de dados ópticos data de 1972. Todavia, apenas a partir de 2014 tivemos fontes de dados sistemáticas, gratuitas e em volume suficiente para acompanhar a dinâmica agrícola no Brasil.
Por que precisávamos dessa mudança para aplicar sensoriamento remoto orbital no agronegócio? O agro possui um pulso muito rápido: acompanhar a dinâmica agrícola de culturas como soja e milho demanda observações ao longo de todo o ciclo de crescimento e senescência.
Se, por um lado, o volume de dados trouxe a possibilidade de acompanhar toda a safra, ela introduziu a necessidade de automatizar processos de análise. À que medida que áreas cada vez maiores são monitoradas e decisões como concessão de financiamento, arresto ou antecipação de recebíveis são tomadas com base nos alertas fornecidos, a margem para erro humano é baixa.
Entenda: um alerta de colheita antecipada não emitido por um analista, seja a causa erro humano ou atraso, pode custar centenas de milhares de reais em prejuízo. Se você quiser confiança de que o alerta chegará corretamente e no tempo apropriado, exija automatização. Caso contrário, além dos atrasos, você eventualmente será vítima de erros humanos.
Revenda de dados gratuitos
Você provavelmente já ouviu falar de vários índices vegetativos – NDVI, EVI, SAVI, entre outros. Aqui vai uma lista mais completa. Índices vegetativos, por si, não são úteis. Eles são apenas números cuja relação com seu negócio não é nem um pouco óbvia. Além disso, se você atua em uma multinacional ou um banco, dificilmente quer passar por 20 imagens e dizer para o seu officer que “o EVI está baixo na fazenda Santa Rita”.
O que é útil é a inteligência gerada a partir deles. Falar para uma indústria de insumos que “o NDVI está baixo” não quer dizer muita coisa, mas uma notificação de que “a colheita está antecipada à data de vencimento da CPR” é significativa e pode levar a uma ação de tutela antecipada.
Entenda: se você quiser ver índices vegetativos, use uma das diversas ferramentas gratuitas para visualização de imagens de satélite, ao invés de pagar para consultar dados gratuitos e de fácil acesso. Deixei uma lista de plataformas gratuitas de visualização e acesso de imagens no final do artigo.
Revisita diária
O uso mais comum para o termo “revisita diária” de um satélite ou constelação óptica indica que os sensores realizam uma coleta por dia sobre a área de interesse.
Isso não significa que você terá informações relevantes diariamente, por conta de nuvens.
Isso é particularmente impactante nas áreas agrícolas do Brasil. A cobertura de nuvens durante os meses de safra pode chegar a mais de 90% devido à precipitação em regiões como o Mato Grosso e o Maranhão. Isso significa que, de cada dez imagens ópticas, em média apenas uma será útil na região de interesse.
Entenda: quando alguém mencionar “revisita diária”, vale descobrir qual o tipo de sensor – se é óptico, ele será afetado por nuvens – e perguntar se “diário” se refere à taxa de geração de imagens ou à taxa de geração de dados úteis.
O que importa é a resolução espacial
Resolução espacial é uma medida de quão pequenos podem ser os objetos que você pode discernir.
No agronegócio, em análises para fora da porteira, nossos objetos de interesse são plantações – de forma que a melhoria da resolução espacial, a partir de um certo valor, não contribui significativamente para análise (se você quiser falar sobre agricultura de precisão – porteira para dentro – as necessidades são outras).
Valores de 64m/pixel – como o sensor WFI do CBERS-4 em nadir – são ótimos. Sensores como o MODIS e o OLCI, com resoluções próximas de 300m/pixel, embora de uso mais complexo, já são suficientes para determinar plantio, cultura, eventos de estresse hídrico e início de colheita.
Por um lado, se resoluções espaciais melhores do que 64m/pixel não contribuem significativamente para inteligência para fora da porteira, a escolha de bandas do sensor, relacionada à sua resolução espectral, impacta diretamente naquilo que você pode fazer.
Veja esse exemplo: a imagem em falsa cor vermelha, oriunda de um sensor RGB-NIR comum no mercado, é incapaz de separar culturas.
Por outro lado, sensores com bandas na faixa do SWIR (infravermelho de ondas curtas) apropriadamente distinguem conteúdos de água em vegetação. O resultado? Diversas culturas tornam-se separáveis – algodão está em tons de laranja claro, milho e sorgo são laranja escuro e o solo com baixa cobertura vegetal é verde.
Entenda: o retorno oferecido pela resolução espacial é marginalmente decrescente. Outros fatores como a escolha de bandas do sensor, caso negligenciadas, impõem limitações físicas ao que é possível fazer com os dados adquiridos. Se essas outras especificações forem ignoradas, não se trata de “ter um modelo que consiga usar esses dados”. Trata-se de tentar descobrir se está chovendo com uma bússola.
Produtividade em nível de fazenda
Modelos de produtividade agrícola expressam a influência de condições meteorológicas sobre o desenvolvimento da cultura e consequentemente, sobre a produtividade.
Todos esses modelos, porém, dependem de variáveis climáticas cujos dados são representativos em uma região de, no melhor dos casos, 7 km/pixel. A maior parte deles, porém, está disponível em uma matriz de 25 km/pixel.
Além da limitação de resolução, a aplicação desses modelos requer a incorporação da heterogeneidade ambiental, tais como dados de manejo, épocas de plantio e colheita, dados meteorológicos, mapas de solos e cultivar plantado.
Para referência futura, montei o gráfico abaixo, com base nos relatórios do IMEA para o MT. Ele mostra a produtividade, por safra, com um desvio de ±10% com respeito ao valor central, que é a incerteza reportada em alguns sistemas comerciais. Coloquei também a maior e menor produtividades reportadas pelo IMEA para uma mesma safra.
Note que a faixa de ±10% é larga o suficiente para comportar com folga a maior e menor produtividade por região reportada pelo IMEA em uma mesma safra. Finalmente, a diferença entre o valor máximo e mínimo estimados corresponde a 20% (!) do valor central. Ou seja, com um sistema com um intervalo de confiança desse tamanho, você não sabe se terá uma safra recorde ou uma quebra de safra.
Entenda: modelos de produtividade agrometereológicos baseados em dados de satélite oferecem, hoje, no melhor dos casos, o comportamento médio de uma região de 7km x 7km devido tanto à resolução limitada de dados climáticos quanto à ausência de dados como cultivar plantado, quantidade de fertilizante aplicado, manejo fitossanitário. Para saber se um sistema comercial adiciona valor em nível de fazenda, compare seu resultado com dados públicos como os do gráfico acima.
Agradecimento: Bernardo Moscardini, CTO aqui na TerraMagna, me ajudou a escrever esse artigo.
Links
Artigos sobre o impacto do sensoriamento remoto orbital no crédito agrícola:
- O uso de sensoriamento remoto no monitoramento de CRAs pela Octante
- Como a Albaugh evitou o desvio de 5153 sacas de soja
- Araguaia evita prejuízo de R$ 900 mil com detecção rápida de ausência de plantio
Visualização gratuita de imagens e índices: